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O penhor constitui um
direito real de garantia que confere uma preferência ao credor
pignoratício sobre coisas ou direitos não hipotecáveis.
Esta figura jurídica encontra-se definida no n.º 1 do art.º 666.º do
Código Civil, o qual dispõe que: “O penhor confere ao credor o direito à
satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com
preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel,
ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de
hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro”.
Assim, o direito de penhor traduz-se numa garantia real de cumprimento
de obrigações, ainda que futuras ou condicionais, sobre coisas móveis ou
direitos insusceptíveis de hipoteca. Ou seja, a constituição do penhor
sobre um bem não o torna impenhorável, mas confere um direito de
preferência ao credor pignoratício.
Salvo raras excepções devidamente expressas na lei, como é o caso do
penhor mercantil, o penhor é constituído com desapossamento, ou seja,
com entrega do bem por parte do proprietário ao credor pignoratício ou a
um fiel depositário, ou através de um documento que conceda a exclusiva
disponibilidade, sendo o desapossamento condição de eficácia, nos termos
do n.º 1 do artigo 668.º do Código Civil. Esta condição prende-se com a
função económica que o penhor visa enquanto garantia, sendo
especialmente utilizado em bens dispensáveis para o devedor, e também
pela publicidade da subtracção da coisa, por forma a permitir o
conhecimento por terceiro da indisponibilidade dos bens objecto de
penhor.
Isto porque o penhor não é, por regra, sujeito a registo, só o sendo no
caso de penhor de direitos, porquanto, nos termos do n.º 1 do artigo
681.º do Código Civil, a constituição do penhor está sujeita à forma e
publicidade exigidas para a transmissão dos direitos empenhados.
Ora, uma vez feita esta breve referência ao regime legal do penhor,
cumpre apreciar a “qualidade” do penhor enquanto garantia na perspectiva
da Administração Fiscal de forma a aferir da sua resistência em aceitar
garantias que revistam esta modalidade.
O Código de Procedimento e Processo Tributário prevê que a garantia
idónea a oferecer para efeitos de suspensão de um processo de execução
fiscal possa revestir a forma de penhor, no seu artigo 195.º, e a sua
iniciativa pode advir tanto da Administração Tributária como do
executado.
Caso seja da iniciativa da Administração Tributária, preceitua o n.º 5
do art.º 195.º do Código de Procedimento e Processo Tributário que o
penhor se constitui por via electrónica ou através de um auto lavrado no
processo, na presença do executado, ou, na circunstância deste não estar
presente, perante funcionário com poderes de autoridade pública,
notificando-se, nesse caso, o devedor, nos termos previstos para a
citação.
Por seu turno, se a iniciativa para a constituição do penhor for do
devedor, dispõe o n.º 2 do artigo 199.º do Código de Procedimento e
Processo Tributário que será elaborado auto no processo por funcionário
competente, em documento tipo, com reconhecimento presencial.
Sucede que, como atrás se referiu, o penhor deverá ser feito com
desapossamento do bem objecto de penhor. Porém, na falta de depósitos
públicos, a Administração Tributária não tem capacidade para receber os
bens dados de penhor. Pelo que a constituição de penhor é feita
acompanhada do auto constitutivo que se deixou referido, donde resulta a
menção expressa de que é conferido à Administração Tributária a
exclusiva disponibilidade dos bens, designando-se o devedor tributário
fiel depositário dos bens.
Ora, posto o sobredito, não se afigura quaisquer razões jurídicas para o
penhor não ser bem aceite pela Administração Tributária. Até porque é
uma modalidade de garantia consideravelmente mais económica, quando
comparada com uma garantia bancária ou com uma hipoteca voluntária sobre
bens imóveis.
Todavia, a Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários da
Administração Tributária emitiu, em 29/07/2010, o Ofício-Circulado n.º
60.076, do qual resulta que o penhor só deve ser constituído em último
reduto e nas especiais circunstâncias de não existir outra modalidade
“com garantia de maior liquidez”, como sendo, no entender daquele
Ofício, a garantia bancária, a caução ou o seguro–caução, não sendo, de
forma alguma, admitido no caso de existência de plano de insolvência ou
de procedimento extrajudicial de conciliação.
Felizmente, o Supremo Tribunal Administrativo veio contrariar estas
instruções da Administração Tributária, no seu Acórdão de 11 de Julho de
2012, no processo n.º 730/12. Entendeu aquele Tribunal que “[s]e a
garantia oferecida cobrir a totalidade do crédito exequendo e acrescido,
a AT não pode recusar, face ao disposto no nº 5 do art. 52º da LGT e no
art. 199º do CPPT, a substituição com fundamento em aspectos
qualitativos das garantias, designadamente quanto à maior ou menor
liquidez imediata da oferecida em substituição.”
Pelo que, naturalmente se compreende a necessidade da Administração
Tributária de garantir uma boa cobrança dos créditos tributários, atento
o interesse público da mesma, mas tal não poderá sobrepor-se à vontade
do legislador, que previu, indiferenciadamente, o penhor como meio de
garantia legalmente admissível. Donde resulta, uma vez mais, uma
interpretação desfasada do espirito da lei, que, por sinal, neste caso,
não oferece quaisquer dúvidas.
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